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Por que o juro alto não derrubou a inflação?

 

Por Alex Ribeiro

O Banco Central já subiu a taxa básica de juros em 3,5 pontos percentuais desde abril de 2013 e, com mais uma alta que o mercado espera para o mês que vem, o ciclo atual de aperto vai figurar entre os maiores na história do regime de metas de inflação. Para dar uma ideia da intensidade do torniquete, o ex-diretor de Política Monetária do BC Afonso Bevilaqua consolidou sua fama de ultraconservador ao liderar, entre 2004 e 2005, uma alta de juros de 3,75 pontos percentuais que derrubou o IPCA para 3,14% em 2006.

Os momentos não são diretamente comparáveis, até porque a queda da inflação em 2006 ocorreu com a ajuda de choques favoráveis de oferta. Mas não deixa de ser desolador o fato de que, depois de os juros subirem tanto, os indicadores de inflação não apresentarem melhora substancial.

O IPCA acumulado em 12 meses recuou pouco, de 6,49% para 5,59% entre abril de 2013 e de 2014, e está bem acima do centro da meta, de 4,5%. Os núcleos de inflação ficaram praticamente estacionados, oscilando de 5,97% para 5,95% no período. Choques de preços, como o que ocorre agora com os alimentos "in natura", fazem renascer o fantasma da aceleração inflacionária.

Altas da Selic apenas tiraram o pé do acelerador

No fim deste mês, o Banco Central vai divulgar uma projeção para a variação do IPCA em 2015 provavelmente um pouco mais baixa no seu cenário de referência, que pressupõe juros estáveis nos atuais 10,75% ao ano. Para tanto, porém, contará com a ajuda providencial de uma taxa de câmbio mais baixa vigente por volta do dia 8 de março, provável data de corte para os dados colhidos para a elaboração do documento. Ainda assim, certamente o IPCA esperado seguirá acima de 5% (a última estimativa conhecida, do relatório de dezembro, é 5,3%).

A visão do Banco Central, neste momento, está entre as mais otimistas. O mercado espera uma inflação de 6% em 2014 e de 5,7% em 2015. Desde o dia em que o Banco Central começou a subir os juros, em abril de 2013, até hoje, as projeções de inflação do mercado financeiro para os 12 meses seguintes subiram de 5,51% para 6,16%.

Os juros futuros negociados no mercado seguem acima da taxa Selic, o que significa que os operadores esperam que o aperto monetário irá seguir no futuro, depois de uma pausa eleitoral. No passado, a essa altura de um ciclo de aperto monetário os juros futuros já estavam abaixo da taxa Selic, antecipando a queda da inflação e os cortes que ocorreriam na Selic. Foi o que aconteceu, por exemplo, em 2008 e em 2011.

A questão central é se, hoje, existe algo errado com a economia que impeça a plena transmissão do aperto monetário - que não é pequeno - para a inflação.

Há na praça algumas teorias que tentam explicar por que a alta de juros não fez efeito até agora na inflação e, sobretudo, nas expectativas. Uma delas é que, neste ciclo, um dos canais mais importantes de transmissão da política monetária - exatamente as expectativas - está obstruído. Segundo essa narrativa, o Banco Central teria conduzido o ciclo de aperto monetário sem muita convicção, e a presidente Dilma Rousseff fez declarações em 2013 que colocaram em dúvida a autonomia do manejo da política monetária.

Quando o ciclo de aperto monetário começou, também havia uma ideia de que o governo não deixaria o câmbio se valorizar. Esse receio perdeu o sentido com a depreciação a partir de maio, devido a mudanças na política monetária americana, mas o estrago inicial estava feito.

Outra possível explicação é a política fiscal. A alta de juros fez, sim, efeito para conter a inflação, mas a expansão dos gastos públicos atuou na direção contrária.

O economista Fabio Kanczuk, professor da Universidade de São Paulo (USP), lembra que é recorrente no Brasil e em outros países essa leitura de que a política monetária não está funcionando. "Não há nenhuma razão para acreditar que a política monetária não vá surtir os efeitos esperados", afirma. "Há uma certa amnésia recorrente. As pessoas se esquecem de que a política monetária atua com defasagens, que são realmente gigantes." Hoje, o grosso do efeito da política monetária ocorre em nove meses, o que significa que as alta de juros feitas pelo Banco Central nos últimos meses ainda não chegaram à inflação.

Em 2003, por exemplo, o Banco Central iniciou um ciclo de distensão monetária, mas o mercado duvidava dos resultados na atividade econômica. Na época, o BC publicou um boxe num relatório de inflação para dizer que a transmissão da política monetária ocorria com defasagens. O mesmo boxe foi reproduzido, com atualizações, nas alta de juros de 2004 e de 2008, e na baixa de 2005 e de 2009. "Não há evidência que sustente qualquer padrão de anormalidade na resposta da atividade econômica aos estímulos de política monetária", diz um dos boxes.

Se os juros ainda vão surtir efeito para baixar a inflação, qual será o impacto? O Banco Central, na ata da sua última reunião, chamou a atenção para o fato de que as altas de juros desde abril de 2013 têm efeitos defasados e "acumulados" sobre a inflação. Todo mundo entendeu o recado: o Banco Central vai subir os juros mais devagar e pretende parar logo. Só não ficou claro o que o tal "efeito acumulado" significa exatamente. O BC parece sugerir que há uma relação não linear, ou seja, quanto mais juros, maior é a potência desse instrumento para baixar a inflação. "Não existe nada na literatura acadêmica que sugira isso", afirma Kanczuk.

O que parece ser diferente nesse ciclo de aperto monetário em relação aos anteriores, afirma ele, é que aparentemente os juros estavam bem abaixo da taxa de equilíbrio. Os juros reais eram menores do que 2% ao ano quando o Banco Central começou a subir a Selic, o que significa que a política monetária alimentava a inflação. De lá para cá, ao subir os juros, o BC apenas tirou o pé do acelerador. Há muita controvérsia sobre qual é a taxa neutra, mas Kanczuk e boa parte do mercado acha que só agora, com juros reais na casa dos 5%, estaríamos nesse território. Se essa leitura estiver correta, exatamente nesse momento, quando o BC ensaia jogar a toalha, o trabalho de baixar a inflação estaria começando.

Alex Ribeiro é repórter especial.

Valor Econômico





  

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