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Otimistas, pessimistas, realistas

 

Por Tony Volpon

Em recente artigo, Armando Castelar Pinheiro (Valor, 07/03) levanta a questão sobre uma divergência entre investidores locais pessimistas e investidores estrangeiros otimistas em relação às perspectivas para a economia brasileira. Seria simplesmente uma questão de "paixões políticas" dos investidores locais? Seriam investidores estrangeiros, nesse sentido, mais "objetivos"? Ou teriam os investidores locais mais acesso à informação e assim estariam mais conscientes dos riscos latentes se acumulando na economia brasileira?

Tudo isso pode, até certo ponto, ser verdade, mas não explica tudo. Primeiro, eu concordo com a avaliação que há uma nítida divergência entre a opinião de locais e dos estrangeiros. Quais fatores contribuem para isso?

Primeiro temos que reconhecer que as funções desses gestores são, na maioria dos casos, bastante diferentes. O típico investidor local, a despeito de um forte movimento de internacionalização entre alguns deles, ainda tem a grande parte dos seus riscos alocados nos mercados brasileiros. O gestor estrangeiro normalmente gerencia uma carteira bem mais diversificada. Em função disso, sua visão é sempre relativa. Quando constatamos que os investidores estrangeiros estão "mais otimistas" com o Brasil, deveríamos adicionar "em relação a outros emergentes".

A "escassez" de recursos continuará a ser poderoso disciplinador das escolhas que este e o futuro governo vão fazer

O que, então, torna os estrangeiros relativamente mais otimistas? Infelizmente, na grande maioria dos casos, é algo de que nenhum brasileiro, e especialmente o governo, deveria ter orgulho: pagamos hoje as maiores taxas de juros entre os emergentes. Hoje um investidor internacional pode aplicar seus recursos no Brasil por um prazo de cinco anos ganhando ao redor de 12,75% ao ano, enquanto ele ganharia, para o mesmo prazo, 11,1% na Turquia, 8,95% na Índia, 7,9% na África Do Sul, 7,75% na Indonésia, e 5,1% no México.

Devemos também notar que houve um grande aumento no ganho relativo com a forte puxada nas taxas de juros devido aos decepcionantes resultados fiscais divulgados no final de outubro do ano passado, que elevarão a taxa de cinco anos em quase 1,5% em somente um mês. Como eu ouvi de um grande investidor institucional quando discutia os riscos que hoje enfrenta a economia brasileira: "Se você me pagar 13% ao ano, eu estou disposto a perdoar muitos pecados".

Outro fator em que o Brasil é visto positivamente é o nosso nível de reservas internacionais. Sem fazer nenhum desconto das reservas pelo atual programa de intervenção via instrumentos denominados em reais, o Brasil se destaca em relação aos outros emergentes. Aqui, porém, eu sou da opinião que em algum momento, se o livro de swap do Banco Central continuar a crescer, haverá um patamar onde os investidores vão aplicar algum desconto, já que faria sentido esperar que parte dessa posição vá virar demanda por dólares "de verdade". O Banco Central deveria levar isso em conta quando for calibrar sua política de intervenção para o que pode ser um período de maior volatilidade com o início da campanha presidencial e, possivelmente, uma alta de juros nos EUA em 2015.

Finalmente há um terceiro tópico onde parece existir uma divergência entre locais e estrangeiros: as perspectivas para a política econômica depois das eleições deste ano. Hoje é muito comum achar investidores locais que argumentam que haverá uma grande decepção depois da eleição. Enquanto isso, reconhecendo os constrangimentos de fazer escolhas difíceis durante a época eleitoral, muitos investidores estrangeiros, como membros das agências de crédito, acreditam que haverá um esforço bem maior por parte do governo depois das eleições. Quem estaria certo?

Neste caso, estamos do lado dos estrangeiros, pelas seguintes razões. Primeiro, aceitando que pode haver algum conflito de interesse, pelo menos no curto prazo, entre eleitores e investidores, os incentivos do governo para atender os investidores aumenta muito depois do pleito. Segundo, acredito que há uma forte correlação negativa entre a qualidade da política econômica e o nível de fluxos de capitais para países emergentes, contrariando a percepção comum que mercados "premiam" boas políticas econômicas. Há fortes evidencias empírica que fatores globais (preços de commodities, taxas de juros nos países centrais) "empurram" capitais aos emergentes, e que isso permite muitas vezes uma piora da política econômica.

Podemos usar esse conceito para explicar o que parece ter sido uma nítida inflexão na política econômica durante o governo Dilma. A virada intervencionista da "nova matriz econômica" nasce durante a época da "guerra cambial", quando o Brasil estava recebendo uma fartura de recursos. Decisões que hoje são muito criticadas, como a "contabilidade criativa", nem sempre geram uma grande pressão do mercado sobre o Brasil: no final de 2012, a taxa de juros de cinco anos fechou abaixo de 9%. O que levou a um grande aumento da taxa de juros foi, alguns meses depois, a primeira sinalização do banco central americano que estava pensando em iniciar a normalização da política monetária, drenando a liquidez do sistema global.

Não foi por acaso que a partir desse momento o governo da presidente Dilma começou a desmontar a "nova matriz". Isso começou pela remoção dos IOFs sobre entrada de recursos estrangeiros e a continuidade do aperto da Selic pelo Banco Central, e agora a promessa de seguir uma política fiscal mais austera a despeito da eleição. A "escassez" de recursos está sendo, e vai continuar a ser, um poderoso disciplinador das escolhas que este e o futuro governo vão fazer. Aqui acredito que não estamos sendo nem otimistas nem pessimistas, mas simplesmente realistas.

Tony Volpon é diretor executivo e chefe de Pesquisas para Mercados Emergentes das Américas da Nomura Securities International

Valor Econômico


  

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